A polêmica regra de desempate de julgamentos em tribunais administrativos tributários passa por nova prova. Desta vez, pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). A cúpula máxima da Corte começou a analisar se é constitucional o mecanismo usado no Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) paulista, que julga recursos de empresas contra cobranças por débitos de tributos estaduais, como o ICMS.
Atualmente, R$ 126,3 bilhões estão em discussão no TIT, em 6.968 processos. Lá, a regra atual delega aos presidentes das câmaras a definição do caso quando há empate no julgamento. É o chamado voto de qualidade. O problema, apontam advogados tributaristas, é que os presidentes dos colegiados, nesses casos, acabam votando duas vezes.
O questionamento surge porque o TIT – assim como grande parte dos tribunais administrativos fiscais – é formado por número igual de representantes dos contribuintes e do Fisco. Os presidentes dos colegiados, portanto, têm direito ao voto ordinário e, em caso de empate, a um voto extra.
O TIT possui 12 câmaras julgadoras. Metade delas são presididas por juízes indicados pela Fazenda. A outra metade, por representantes dos contribuintes. Na Câmara Superior, a presidência é sempre ocupada por um representante do Fisco.
“Há, portanto, uma paridade relativa. O contribuinte pode ganhar na câmara baixa, mas se o caso for levado à Câmara Superior e houver empate, o processo será definido por um juiz fazendário”, afirma Thiago Amaral, sócio no Demarest Advogados.
O tributarista dá um exemplo de um cliente estrangeiro que discute uma questão de guerra fiscal de ICMS em cinco processos no TIT – em dois deles o resultado foi favorável, nos outros três a cobrança foi mantida. “O mesmo assunto, com resultados diferentes a depender da câmara onde o processo foi distribuído”, diz.
O questionamento sobre o voto de qualidade ganhou tração em São Paulo com mudanças no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) – que julga cobranças de tributos federais. A Lei nº 13.988, editada em 2020, inverteu o jogo. Determinou, no artigo 19-E, que, em caso de empate no julgamento, a decisão terá que ser a favor do contribuinte.
Isso inseriu no campo tributário a lógica do direito penal, do “in dubio pro réu” (na dúvida, favorável ao réu). O dispositivo, porém, foi contestado e o Supremo Tribunal Federal (STF) está a um voto de chancelar o critério mais favorável às empresas (ADIs 6399, 6403 e 6415). Não houve conclusão do julgamento, em março, por causa do pedido de vista do ministro Nunes Marques.
Em São Paulo, o critério de desempate está previsto no artigo 61 da lei do processo administrativo tributário (nº 16.498, de 2017). Estabelece que “em caso de empate, prevalecerá o voto de qualidade do presidente da Câmara”. É a validade desse dispositivo que está sob análise pelos desembargadores do TJSP (incidente de arguição de inconstitucionalidade cível nº 00338216320218260000).
O relator do processo, desembargador Ferreira Rodrigues, votou, na sessão de quarta-feira, para derrubar o voto de qualidade. Entendeu que o mecanismo que confere voto duplo a um julgador é inconstitucional.
“Implica violação da isonomia em relação aos demais integrantes que votam apenas uma vez. Além disso, afeta a imparcialidade do julgamento e representa afronta ao devido processo legal ao fazer prevalecer posicionamento de um juiz que já se manifestou”, disse. E acrescentou: “O voto de qualidade é inconstitucional e assim deve ser declarado tanto quando beneficia a Fazenda quanto o contribuinte”.
Citando um artigo de 2008 do hoje ministro Luís Roberto Barroso, do STF, Rodrigues afirmou que “o segundo voto será igual ao primeiro e não resultado de nova apreciação livre e autônoma”. Segundo o relator, a convocação de julgadores para o desempate seria uma alternativa para resolver o problema.
O desembargador Moacir Peres – que já foi julgador do TIT – pediu vista do processo. Ele adiantou que vai divergir do relator. Para ele, a legislação brasileira não define qual regra deve ser aplicada em caso de empate. O voto de qualidade, disse, é um critério escolhido pelo legislador.
“Me preocupa o vácuo que a declaração de inconstitucionalidade deixará. Como serão feitos os desempates? O efeito daqui para frente é absolutamente devastador”, afirmou.
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Eventual derrubada do voto de qualidade impactará apenas o contribuinte que levou a discussão ao TJSP. No caso, a empresa Têxtil Rossignolo que, pelo voto de qualidade, perdeu uma disputa no TIT sobre exigência de ICMS pelo fato de fornecedor de mercadoria ter sido declarado inidôneo – discussão que, segundo tributaristas, polariza o tribunal.
Mas o advogado da empresa, Sidney Stahl, sócio do RSZM Advogados, afirma que há um movimento para ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade sobre o assunto, que surta efeitos para todos os contribuintes paulistas.
Tributaristas apontam que a abertura do precedente no TJSP pode gerar um efeito dominó para tentativa de anulação de processos definidos por desempate. Também pode pressionar mudanças legislativas em tribunais administrativos que adotam a mesma estrutura do TIT.
O pedido de vista do desembargador Moacir Peres fez com que a conclusão do julgamento fosse adiada. Ele afirmou que deve demorar cerca de duas semanas para devolver o caso ao plenário. Depois dele, outros 24 desembargadores ainda deverão se manifestar.
Fonte: Valor Econômico. Site -> TJSP julga regra de desempate de tribunal administrativo | Legislação | Valor Econômico (globo.com)