Alterações na legislação e uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) têm incentivado as empresas a incluir em convenções e acordos coletivos regras para os programas de participação nos lucros e resultados (PLR). A inserção de cláusulas com metas e condições – medida pouco utilizada até então – é uma nova saída para tentar evitar autuações da Receita Federal.
O pagamento de PLR tem que ser acertado com o sindicato de trabalhadores, mas muitas empresas são autuadas com o argumento de que as regras do programa não são claras e objetivas. Agora, segundo especialistas, com a prevalência do negociado sobre o legislado, conforme definido pelo STF (ARE 1121633), além de mudanças na Lei nº 10.101, de 2001, nesse sentido (Lei nº 14.020/2020), há maiores chances de vitória nas discussões com o Fisco.
No início de junho, por maioria de votos, o STF decidiu que normas de acordos e convenções coletivas podem limitar ou restringir direitos trabalhistas. No julgamento, os ministros citaram que há um rol taxativo do que não pode ser negociado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – praticamente o que está garantido na Constituição. Está no artigo 611-B, incluído pela reforma trabalhista. Já no artigo 611-A, acrescentaram, existem exemplos do que pode ser negociado. Entre eles, os prêmios de incentivo e os programas de PLR.
Em 2020, a Lei nº 10.101, de 2001, sofreu alterações para privilegiar as negociações. Entre elas, está o parágrafo 6º do artigo 2º. O dispositivo diz que “na fixação dos direitos substantivos e das regras adjetivas, inclusive no que se refere à fixação dos valores e à utilização exclusiva de metas individuais, a autonomia da vontade das partes contratantes será respeitada e prevalecerá em face do interesse de terceiros”.
Em meio a esse novo contexto, as empresas começaram a negociar, segundo advogados, para dispor em cláusulas de acordos coletivos os critérios que serão levados em consideração para a distribuição de lucros e resultados, como forma de dar mais segurança ao processo. Entre eles, as regras de lucratividade e performance.
“A medida pode evitar contestações da Receita Federal, que praticamente em todas autuações que lavra contra as empresas afirma que o plano não trouxe critérios objetivos”, diz o advogado tributarista Leandro Cabral, sócio do escritório Velloza Advogados.
Ele explica que, com receio dessas autuações, muitas empresas se viram desestimuladas a firmar novos acordos de PLR. “Contudo, com esse fortalecimento da via da negociação coletiva, para firmar metas e condições dos programas, tem aumentado novamente a procura pelas empresas”, afirma.
A recomendação, contudo, acrescenta o advogado, é que as cláusulas dos acordos tratem apenas das regras do jogo, cumprindo as condições estabelecidas pela Lei nº 10.101, principalmente com relação à periodicidade. A norma estabelece no parágrafo 2º do artigo 3º que é vedado às empresas fazerem o pagamento em mais de duas vezes ao ano e num período inferior a um trimestre.
Nas autuações, a Receita Federal entende que não se trata de PLR, afasta a isenção tributária e exige o pagamento de contribuição previdenciária (alíquota de 20%) e de terceiros (de 4,5% a 5,8%) sobre os valores distribuídos, além de multa de 75%.
Muitas atuações acabaram no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Segundo Cabral, até 2015, antes da Operação Zelotes – que investigou acusações de corrupção no órgão – a jurisprudência era predominantemente favorável aos contribuintes. Após a operação, muitas empresas passaram a ser derrotadas no Carf por voto de qualidade e levaram o tema ao Judiciário, que tem sido mais favorável às empresas.
Agora, com o fim do voto de qualidade no Carf e o desempate a favor dos contribuintes, além de alterações na composição do órgão a começar pelo novo presidente, Carlos Henrique de Oliveira – que é professor de direito previdenciário e já julgou muitos casos de PLR -, Cabral acredita que se pode ter um cenário mais favorável no órgão sobre o tema.
Como envolvem valores altos e o Carf fixou, na pandemia, um limite para os julgamentos on-line – hoje de R$ 48 milhões -, além da preferência dos advogados por sessões presenciais para discutir esses processos, muitos casos ainda não foram pautados.
As mudanças na legislação, segundo advogados, fortalecem a argumentação das empresas. Para o advogado trabalhista que atua em negociações coletivas, Leonardo Jubilut, foram realizadas importantes alterações em 2020, com a edição da Lei nº 14.020. “De lá para cá, já temos visto um maior interesse das empresas”, diz.
A principal mudança, afirma, foi a possibilidade de existirem PLRs distintos em uma mesma empresa, com o estabelecimento de metas individuais ou por camadas de colaboradores. Outro ponto importante, acrescenta, foi a autorização para negociação com comissão paritária – até então só era feita diretamente com o sindicato.
Além das mudanças, diz Jubilut, o julgamento do Supremo tem gerado maior segurança jurídica para essas negociações. “Agora, respeitadas as formalidades da negociação, não haveria mais como se contestar a validade jurídica desse instrumento. Dificilmente um PLR negociado com o sindicato ou com as comissões paritárias será anulado, seja no Carf, numa discussão tributária, ou na Justiça, numa discussão trabalhista.”
Para o advogado da área previdenciária Caio Taniguchi, do TozziniFreire Advogados, contudo, apesar de a PLR estar no rol dos direitos que podem ser negociados, as empresas precisam ficar atentas. Caso estabeleçam regras diferentes das que estão previstas em lei, o programa pode ser descaracterizado pela Receita Federal.
“O que me causa preocupação é justamente em se pensar que essa flexibilidade, dentro da perspectiva trabalhista, de relativizar as regras previstas na Lei nº 10.101, possa desvirtuar a finalidade do instituto”, diz. Ele acrescenta que “a PLR não nasceu para substituir ou complementar a remuneração”.
A partir do momento que se permite que o negociado prevaleça sobre o legislado, uma empresa poderia fazer um acordo que prevê o pagamento da PLR em 12 vezes, exemplifica o advogado. “Nesse caso, quem me garante que a empresa não está usando desse instituto justamente para complementar a remuneração, ou até mesmo substituir uma comissão ou gratificação por PLR?”, questiona. Por isso, afirma, as regras da Lei nº 10.101 têm que ser respeitadas para que não haja uma má utilização do instituto e a geração de autuações contra as empresas.
Fonte: Valor Econômico.